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25 anos sem Senna: acidente revolucionou a forma como se pensa em segurança na F1

25 anos sem Senna: acidente revolucionou a forma como se pensa em segurança na F1

A frase é meio que batida, mas bastante oportuna. Foi pronunciada pelo ex-médico-chefe da F1, o neuro-cirurgião inglês Sid Watkins, no início dos anos 2.000:

“A perda de Ayrton Senna já salvou muitas vidas, não apenas na F1, mas no automobilismo”.

Neste 1º de maio fãs do piloto, da F1 e cidadãos que se sensibilizam com obras elevadas, não importa a área, vão lembrar os 25 anos dos acontecimentos no Circuito Enzo e Dino Ferrari, em Ímola. O mundo perdeu Senna em seu acidente. Como havia perdido, no dia anterior, o austríaco Roland Ratzenberger.

Esse é, com certeza, o maior legado dos acidentes de Senna, com o carro da Williams, e Ratzenberger, Simtek, no GP de San Marino de 1994: a revolução gerada na forma como se pensa a segurança na F1.

“Deixamos de recorrer apenas à experiência dos engenheiros para reduzir as possibilidades de novas fatalidades. Passamos a pensar na segurança como um todo, não olhando somente o carro, mas no que poderia ser feito para melhorar o resgate do acidentado, o primeiro atendimento médico, o grupo de retaguarda nos hospitais, os circuitos, as regras de comportamento dos pilotos nas disputas e até como evitar de os comissários de pista e o público nas arquibancadas poderem ser atingidos por algo”, afirmou Watkins.

Disse mais: “Ainda mais importante foi o fato de criarmos o Instituto FIA para estudar cientificamente todas as implicações de um acidente. Formamos um grupo com profissionais das várias áreas que compõem a F1 e recorremos a institutos e empresas dos mais renomados para, sob critérios de engenharia rígidos, depois de muita experimentação, adotarmos as medidas que pensamos podem reduzir os riscos na competição”.

Projeto específico

Sid Watkins foi o criador do Instituto FIA para a Segurança nos Esportes a Motor, em seguida às tragédias de Ímola, e manteve-se na sua liderança, bem como delegado médico nos GPs, até 2005, quando, já com alguma idade, deixou a entidade e a F1. Em 2012, aos 84 anos, Watkins faleceu, deixando uma história riquíssima de importantes contribuições para a preservação da vida na F1.

O ex-médico da FIA desenvolveu relação de grande proximidade com Senna. Por essa razão não foi fácil para ele, logo nos atendimentos iniciais ao piloto, depois do choque no muro da curva Tamburello e retirar o capacete, compreender não haver muito o que fazer por conta da fratura generalizada da caixa craniana.

“Apesar de sempre trabalharmos em prol do aumento da segurança, sabemos ser possível fazer mais. Os episódios no dia 1º de maio de 1994 mobilizaram todos, dentro e fora da F1, para rever muita coisa. Eu poderia citar muitos acidentes em que se o regulamento fosse ainda o anterior às medidas que tomamos, depois de Ímola, com certeza teríamos assistido a mais acidentes fatais na F1”.

Ponto a ponto, o que mudou após o acidente de Senna

Vale a pena ir a fundo nessa revolução conceitual na segurança da F1. A começar pelo carro.

“Não é preciso entender de automobilismo para entender que estamos bem mais protegidos hoje no cockpit do que no passado. Apenas observe nossa posição no cockpit e você entenderá melhor o que estou falando. Pegue uma imagem dos fim dos anos 80. Você verá que os ombros do piloto ficavam fora do cockpit, a cabeça estava completamente desprotegida, é impressionante”, disse Rubens Barrichello, em 2011, sua última temporada na F1, então na Williams. É dele ainda o recorde de longevidade entre os pilotos: disputou 325 GPs.

No ano passado, o jovem Charles Leclerc, de 20 anos, estreante na F1, pela Sauber, afirmou depois da largada do GP da Bélgica, no Circuito Spa-Francorchamps: “Agradeço aos homens que lutaram para implantar o halo na F1. Hoje o halo salvou a minha vida”. Halo é aquela estrutura em arco colocada sobre o cockpit.

Uma batida provocada pelo alemão Nico Hulkenberg, da Renault, lançou a McLaren de Fernando Alonso sobre a Sauber de Leclerc. O peso da McLaren foi sustentado pelo halo, impedindo a sobrecarga fatal sobre a cabeça e o pescoço do piloto monegasco.

“Antes de ser implantado na F1, realizamos um número elevado de experimentos práticos e mesmo em simulações durante três anos. O desenho de halo adotado na F1 representa a evolução do projeto original. Hoje creio não haver ninguém mais contrário ao uso. Seu emprego comprovadamente elevou bastante a segurança na F1”, diz o pai do halo, o francês Laurent Merkies, não mais na FIA, mas diretor esportivo da Ferrari.

Esse é um bom exemplo da abordagem científica mencionada por Watkins para implantar um equipamento de segurança. Mas antes do halo, introduzido em 2018, muitas outras medidas já haviam melhorado consideravelmente a segurança da F1.

Cockpit

O que atingiu Senna foi a barra que conecta a roda ao conjunto mola amortecedor, instalado logo à frente do cockpit, em um nicho específico. No impacto no muro, essa barra soltou e se projetou na direção da cabeça do piloto, pressionando-a contra a parte traseira do cockpit, gerando a fratura fatal.

Assim, as paredes do cockpit são mais altas. Há ao redor do piloto um arco interno construído com material capaz de absorver impacto. Nas laterais, por fora, o regulamento obriga a introdução de dois cones, em frente às tomadas de ar, destinados também a absorver boa parte da energia dos choques de lado.

Sobre a cabeça do piloto, aquela tomada de ar maior, funciona também como santantônio. O que é isso? Os ingleses a chamam de roll bar. Destina-se a manter-se íntegra no caso de capotamentos, suportar o peso do carro, para proteger a cabeça do piloto. Com os passar dos anos, os testes de resistência (crash test) do santantônio e de outras áreas do carro cresceram bastante.

As forças aplicadas nos testes estáticos obrigatórios são enormes, maiores das que o carro provavelmente estará submetido no caso de acidentes.

Outro ponto importante foi o aumento das dimensões mínimas do cockpit, com o propósito de reduzir o estresse do pilotos, contribuindo para ele ter maior lucidez para tomar suas decisões. Os pilotos têm sete segundos para soltar o cinto de segurança, desconectar o fio do rádio do capacete, retirar o volante e sair do cockpit. Se não forem aprovados no teste não disputam a prova. 

Estruturas deformáveis

Esses testes de resistência são feitos também nas estruturas deformáveis destinadas para absorver boa parte da energia dos choques. Além dos já mencionados cones laterais, o próprio bico do carro tem essa função. E na parte de trás, conectada à caixa de marchas, há outra dessas estruturas deformáveis. Essa deformação a determinadas forças têm um limite. Antes dos primeiros testes do ano, em fevereiro, para serem homologados os carros devem passar pelos severos testes de resistência.

As rodas são presas por cabos de material composto, o kevlar, ao carro, para reduzir a possibilidade de no caso de choques elas se soltarem, atingir o piloto ou mesmo um comissário de pista ou torcedores na arquibancada.

Em relação à indumentária do piloto, o capacete deve hoje suportar as cargas de impacto muito maiores do que em 1994, além de o recorte para a visão do piloto ser menor. A própria resistência da viseira é maior, para diminuir a possibilidade de algo atingir a face do piloto.

Hans, imprescindível

A não ser o halo, nenhum outro recurso se mostrou tão valioso para proteger a cabeça do piloto quanto a introdução do Hans, em 2003. É aquela aba longa que vemos anexada ao capacete, apoiada nos ombros do piloto. Ela evita de a cabeça do piloto ser projetada com violência para a frente no caso dos choques frontais.

Esse movimento brusco é altamente perigoso, pois tende a romper as vértebras cervicais, na maior parte das vezes com consequências bastante danosas, como perda permanente de movimentos e até a morte.

Outro avanço exponencial na segurança veio do emprego de materiais cada vez mais sofisticados, capazes de reunir duas qualidades que o automobilismo tanto aprecia: serem bem leves e apresentarem alta resistência a impactos. A fibra de carbono, o kevlar, o nomex, são exemplos de materiais compostos usados em escala crescente na F1. Some a isso as ligas metálicas de características semelhantes, a maioria tendo como elemento básico o titânio.

Mais: o emprego de computadores para tudo no automobilismo. Os programas de simulação, cada vez mais fiéis, dão aos engenheiros a chance de saber com precisão todas as cargas a que cada componente estará sujeito, permitindo assim projetá-los de forma a reduzir a possibilidade de falha estrutural.

Segurança ativa

A ação dos comissários e médicos depois de um acidente constituem a segurança ativa no automobilismo. A FIA instituiu um treinamento padronizado para todos os grupos de resgate e atendimento médico ao piloto. Há um tempo mínimo para chegar no local do acidente, cronometrado. Existe um padrão para imobilização da coluna cervical e retirada do cockpit. Para isso, o banco do piloto, fora as medidas pessoais, tornaram-se padrão, a fim de permitir a técnica única de imobilização. Testes práticos são feitos às quintas-feiras do fim de semana de GP para ver se as equipes atendem o estabelecido.

Os médicos obedecem, da mesma maneira, critérios pré-definidos, estabelecido pelo grupo liderado desde 2013 pelo doutor Ian Roberts, tendo como delegado técnico o francês Jean-Charles Piette. Roberts é especialista em unidades de terapia intensiva, anestesista de formação.

O doutor Dino Altmann é o médico-chefe do GP Brasil e membro do corpo da FIA:

“Há hoje uma integração bem maior da que existia no passado entre os médicos que atendem um acidentando no autódromo e o de plantão nos hospitais. No caso de necessidade de o piloto ser transportado para lá, o grupo que o receberá dispõe de um quadro do paciente bem mais completo, o que os possibilita planejar, de antemão, os procedimentos seguintes mais indicados”.

Luvas salvadoras

Este ano estreou na F1 uma novidade: as luvas biomédicas. Pode acontecer de demorar para o resgate retirar o piloto do cockpit, como vimos há menos de dois anos com o espanhol Carlos Sainz Júnior no GP da Rússia, em Sochi. Seu Toro Rosso ficou parado no meio do material colocado em frente ao guardrail destinado a absorver parte da energia do choque. O acesso estava difícil.

O médico se aproxima do local do acidente enquanto o resgate trabalha e com o celular e o bluetooth consegue extrair informações de funções vitais do piloto, como frequência cardíaca, concentração de oxigênio no sangue. Isso lhe dá uma ideia prévia da gravidade do ocorrido e que providências imediatas deve adotar. 

Trata-se de mais um componente, dentre tantos, desenvolvidos pela Instituto FIA em parceria com empresas da área.

Circuitos

Depois de Ímola, em 1994, os autódromos passaram por importante transformação. As áreas de escape foram ampliadas e a maior parte delas, asfaltadas, por representarem maior segurança. Com o piloto acionando o freio, o carro reduz bastante a velocidade de impacto no guardrail. Bem mais do que nas caixas de brita.

Há em muitas curvas de maior risco o chamado soft wall, uma parede retrátil. E diante de muitos guardrails ou muros fixos existem hoje estruturas projetadas para absorver parte da energia do choque.

Os traçados incluídos do calendário da F1 passaram a ser projetados também em função das áreas de escape disponíveis, a fim de que pudessem ter grandes dimensões, juntamente, claro, com os aspectos da espetacularidade.

Carteira de pontos

As providências para melhorar a segurança chegaram até o comportamento dos pilotos. A FIA introduziu em 2014 o critério de pontos na carteira. No caso de ser o responsável por um acidente, o piloto recebe pontos na carteira, como para os motoristas. Se atingir 12 pontos em 12 meses, automaticamente recebe um GP de suspensão. 

A medida visa a disciplinar o comportamento dos pilotos na pista, reduzindo assim a possibilidade de choque com os adversários.

A Fórmula 1, apesar de ser um esporte de alta velocidade e risco, tem evoluído muito em termos de segurança ao longo das décadas. Ainda assim, a história é marcada por acidentes impressionantes e, infelizmente, alguns fatais.

Acidentes na Fórmula 1 (em ordem cronológica aproximada):

  • Wolfgang von Trips (GP da Itália de 1961): Um dos acidentes mais trágicos da história, onde o carro de Von Trips colidiu com o de Jim Clark, voou em direção à barreira e atingiu 15 espectadores, além de causar a morte do piloto.

  • Jody Scheckter (GP da Grã-Bretanha de 1973): Um engavetamento massivo na largada que envolveu diversos carros, mas felizmente sem vítimas fatais.

  • Roger Williamson (GP dos Países Baixos de 1973): Williamson capotou e seu carro pegou fogo. Outro piloto, David Purley, tentou heroicamente resgatá-lo, mas infelizmente não conseguiu, e Williamson morreu preso ao carro.

  • Tom Pryce (GP da África do Sul de 1977): Um acidente chocante e fatal envolvendo um fiscal de pista. Um extintor de incêndio atingiu a cabeça de Pryce em alta velocidade, matando-o instantaneamente. O fiscal também morreu.

  • Gilles Villeneuve (GP da Bélgica de 1982): Durante a classificação, Villeneuve colidiu com Jochen Mass e seu carro decolou e se desintegrou. O piloto foi arremessado e faleceu.

  • Gerhard Berger (GP de San Marino de 1989): Na curva Tamburello, o Ferrari de Berger bateu forte e pegou fogo. Graças à rápida ação dos fiscais de pista, ele foi resgatado com queimaduras leves.

  • Christian Fittipaldi (GP da Itália de 1993): O carro de Fittipaldi decolou após um toque na última volta, mas ele conseguiu aterrissar com as rodas no chão e cruzar a linha de chegada.

  • Roland Ratzenberger (GP de San Marino de 1994): Durante a classificação, uma falha na asa dianteira fez com que seu carro batesse de frente no muro, causando sua morte.

  • Ayrton Senna (GP de San Marino de 1994): No dia seguinte ao acidente de Ratzenberger, Senna sofreu um acidente fatal na curva Tamburello, um dos momentos mais tristes da história da F1.

  • GP da Bélgica de 1998: Um mega engavetamento na largada, envolvendo 13 carros, na pista molhada. Surpreendentemente, não houve feridos graves.

  • Jarno Trulli (GP da Grã-Bretanha de 2004): Trulli perdeu o controle de seu carro, que capotou e ficou destruído, mas ele saiu com ferimentos leves, demonstrando a evolução da segurança.

  • Robert Kubica (GP do Canadá de 2007): Kubica sofreu um acidente espetacular e de alta velocidade, onde seu carro se desintegrou, mas ele saiu praticamente ileso, o que reforçou a eficácia dos novos padrões de segurança.

  • Mark Webber (GP da Europa de 2010): Webber colidiu na traseira de outro carro, decolando e capotando. Apesar do grande impacto, ele saiu ileso.

  • Jules Bianchi (GP do Japão de 2014): Bianchi colidiu com um trator de resgate em condições de pista molhada. Ele sofreu uma lesão cerebral severa e faleceu nove meses depois, o que levou à introdução do Halo como item de segurança obrigatório.

  • Romain Grosjean (GP do Bahrein de 2020): O carro de Grosjean se partiu ao meio e pegou fogo após uma colisão com a barreira. Graças ao Halo e à célula de sobrevivência, ele conseguiu escapar com vida, sofrendo apenas queimaduras.

  • Guanyu Zhou (GP da Grã-Bretanha de 2022): O carro de Zhou capotou e deslizou de cabeça para baixo por uma longa distância, terminando preso entre a barreira e a grade de proteção. O Halo mais uma vez se mostrou crucial, protegendo o piloto.

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