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Confusão: Jean Alesi assinou com a Williams, mas correu pela Ferrari

Confusão: Jean Alesi assinou com a Williams, mas correu pela Ferrari

As negociações entre pilotos e donos ou responsáveis pelas equipes de F1 costumam despertar interesse em boa parte dos torcedores. Em algumas ocasiões elas transcorrem sem maiores problemas. Já em outras se desenvolvem como verdadeiras novelas, com reviravoltas surpreendentes, como o caso de Jean Alesi.

Como você já deve imaginar, em nosso encontro de hoje, vou contar a história de como o então piloto prodígio francês Jean Alesi, em 1991, foi parar na Ferrari mesmo tendo assinado um contrato com a Williams. Será também uma oportunidade para você conhecer melhor a F1.

Há dois anos eu estava hospedado no suntuoso hotel do Circuito de Silverstone nos dias do GP da Grã-Bretanha, convidado por um empresário brasileiro. Normalmente me instalo na guest house da minha amiga Pat, figura adorável, em meio às fazendas da região.

Jean Alesi, como tantos outros profissionais da F1, lá estava no hotel também. Fui cobrir a etapa inglesa de F1. Alesi acompanhava o filho, Giuliano, piloto da Trident na GP3.

A história de Jean Alesi na F1

Conheço Alesi do seu tempo de piloto. Costumamos conversar há anos. Estreou na F1 em 1989, no GP da França, e causou um grande impacto ao terminar em quarto com o limitado carro da Tyrrell. Naquele ano, Jean Alesi tornou-se campeão da Fórmula 3000, categoria equivalente a F2 de hoje.

Depois da Tyrrell o francês correu pela Ferrari, Benetton, Sauber, Prost e Jordan. Foram de 1989 a 2001 nada menos de 201 GPs. Venceu um apenas, no Canadá, em 1995, com Ferrari, largou duas vezes na pole position e chegou no pódio em 32 ocasiões.

Jean Alesi segue de perto a carreira do filho, Giuliano, já membro da Academia da Ferrari. | Foto: F1i

Piloto da vez

No fim de 1990, Jean Alesi era o piloto que quase toda equipe desejava. Jovem para a época, 26 anos, obteve duas segundas colocações, pilotando Tyrrell, em Phoenix, nos Estados Unidos, depois de uma luta espetacular com ninguém menos de Ayrton Senna, da McLaren, e em Mônaco.

Frank Williams, sócio da escuderia campeã em 1987 com Nelson Piquet, procurou Alesi. Não estava satisfeito com seus pilotos em 1990, Thierry Boutsen e Riccardo Patrese.

Além disso, a Renault, parceira da Williams, havia desenvolvido um grande motor e o projetista-chefe do modelo de 1991 da escuderia seria Adrian Newey, engenheiro que conquistaria dez títulos mundiais. Em resumo, a Williams seria outra a partir de 1991, muito mais forte. E a juventude, gana e o talento de Alesi se casavam perfeitamente com os planos de Frank Williams.

Na sexta-feira do GP da Grã-Bretanha fui do paddock para o hotel com Jean Alesi, no seu carro, em vez da tradicional e longa caminhada. E quando chegamos nos dirigimos ao bar, onde ele me contou toda a história a seguir.

“Frank me procurou logo depois da corrida de Monte Carlo, no fim de maio, em 1990, em que fui segundo, e me fez uma proposta para 1991. Mostrou tudo o que ele e a Renault estavam fazendo para vencer a McLaren-Honda, que ganhava tudo na F1 desde 1988. Era uma oferta tentadora, daquelas que todo piloto sonha um dia. A temporada de 1990 era a minha primeira inteira na F1. Obviamente que estava nas nuvens. Não demorou muito para acertamos todos os detalhes do contrato”, disse Alesi.

“Frank me disse que pretendia anunciar a minha contratação no GP da França, três GPs mais tarde, em julho, por ser a terra da Renault, parceira da Williams. Apesar de muito animado, feliz, guardei a informação comigo.”

Surpresa atrás de surpresa

A partir desse momento as coisas começaram a tomar um rumo estranho. De novo reproduzo o que Alesi me contou, nas suas palavras.

“Chegamos em Paul Ricard (França) e no primeiro e no segundo dia do GP, quinta e sexta-feira, Frank não anunciou nada. Perguntei a ele a razão e o que ouvi não me deixou preocupado. Frank me garantiu que faria o anúncio da minha contratação no GP seguinte, em Silvertone, território do seu time. Como falei, até então, novo na F1, não imaginava o que estava por vir.”

Na semana entre o GP da França e o da Grã-Bretanha, Cesare Fiorio, diretor da Ferrari, também procurou Alesi. Isso porque Nigel Mansell, que corria no time italiano, avisou Fiorio que não seguiria na Ferrari em 1991, como companheiro de Alain Prost.

Alesi de novo:

“Eu avisei Fiorio que sonhava em pilotar para a Ferrari, meus pais são sicilianos, mas que já tinha assinado contrato com Frank Williams, para 1991, e que ele faria anuncio três ou quatro dias mais para a frente, em Silverstone. Fiorio me olhou sério, mas não disse nada.”

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Williams negociava com Senna

Quando a F1 chegou na Inglaterra, já no primeiro dia, quinta-feira, Fiorio procurou Alesi para lhe dar um recado. Era tudo o que Alesi nunca havia pensado. Frank poderia deixá-lo a pé porque negociava com Senna, que conquistaria seu segundo título naquele ano, 1990, sempre com McLaren-Honda. Mais: Mansell deixou a Ferrari exatamente para ir também para a Williams.

“Quando eu ouvi que Frank estava conversando com Senna, fui até ele (Frank Williams) imediatamente. Fui bem claro. ‘Se você não me anunciar aqui e já eu vou correr pela Ferrari, que me convidou.’

Fiorio tinha o contrato de Alesi pronto, faltava ele apenas assinar. Foi o que o francês fez. Não apenas assinou como o levou para Frank Williams ver. Se não anunciasse Alesi naquele fim de semana ele correria pela Ferrari.

“Quando Frank me viu diante dele de novo e com o contrato da Ferrari, realmente não gostou nem um pouco. Mas eu estava louco da vida, me sentindo enganado. Frank me disse que eu poderia fazer o que bem entendesse, apenas me lembrou que eu tinha um contrato assinado com ele e faria de tudo para defender seus direitos.”

O GP da Grã-Bretanha acabou e Frank Williams não fez anúncio algum. Alesi deixou Silverstone decidido.

“Disse a ele que jamais correria por sua equipe.”

O francês me falou que, como tantos fazem na F1, Senna estava usando o convite de Frank para arrancar mais dinheiro de Ron Dennis, sócio e diretor da McLaren.

“Não acredito que Senna estivesse considerando com seriedade a possibilidade de se transferir para a Williams porque a McLaren-Honda vencia tudo.”

Veja o vídeo da luta entre Ayrton Senna, McLaren, e Jean Alesi, Tyrrell, nas ruas de Phoenix, nos Estados Unidos, em 1991:

Italianos indenizaram todo mundo

A F1 viajou a seguir para o GP da Alemanha, em Hockenheim. Jean Alesi pilotava ainda para a Tyrrell, disposto a tudo para fazer valer o seu contrato com a Ferrari e não o assinado com Frank Williams.

Todo mundo queria ganhar dinheiro com aquele imbroglio. Ao assinar com Mansell, que aceitou o seu convite, Frank Williams não via mais Alesi como uma prioridade. Senna também lhe disse que renovaria com a McLaren. Patrese poderia ser o companheiro de Mansell.

Mas Frank Williams tinha um contrato assinado por Alesi. Se a Ferrari o quisesse teria de pagar uma indenização. Ken Tyrrell, dono da Tyrrell, fez exatamente o mesmo, cobrou de Frank Williams ou de Fiorio, da Ferrari, a rescisão do contrato de Alesi com seu time. Tyrrell queria 1,2 milhão de libras (R$ 7 milhões) de quem ficasse com o francês.

Todos sentaram para conversar em Hockenheim e chegou-se a um acordo.

“A Ferrari pagou uma indenização para Frank Williams, que exigiu também dos italianos um carro de F1. E eles concordaram. Deram para Frank Williams o carro usado por Prost naquele ano, 1990. Eu também pedi para a Ferrari, depois de ouvir meu amigo Nelson Piquet, o modelo mais sofisticado deles naquela época, a F40. Também ganhei.

No fim todos saíram felizes. Até Ken Tyrrell, que recebeu um valor da Ferrari também por liberar seu piloto, Alesi.

Chances de ser multicampeão, mas na Williams

Veja como são as coisas, amigos. O carro que Newey fez para a Williams, em 1991, só não foi campeão do mundo porque o uso do câmbio automático, novidade que só a Ferrari tinha, gerou vários abandonos de Mansell no início do campeonato. E em razão de o seu maior adversário chamar-se Ayrton Senna.

O modelo da McLaren, MP4/6-Honda, não tinha a mesma velocidade e avanço em todos os sentidos do FW14-Renault da Williams. O mundial de 1991 é considerando ao lado do de 1993 como o melhor de Senna na F1, por não dispor do melhor conjunto chassi-motor e mesmo assim, no caso de 1991, ser campeão.

Já a Ferrari, em oposição a Williams, entrou em um dos piores períodos da sua história, produzindo carros bem pouco competitivos. Venceu o GP da Espanha de 1990, em Jerez de la Frontera, com Prost em primeiro e Mansell em segundo, e só voltaria a ganhar uma corrida em 1994, na Alemanha, com Gerhard Berger.

E a Williams, time que Jean Alesi recusou veementemente, por sentir-se usado, conquistou os títulos de 1992, com Mansell, e 1993, Prost, com amplo domínio da competição. A Williams seria ainda campeã em 1996, com Damon Hill, e 1997, Jacques Villeneuve.

“Hoje é fácil dizer que seu ficasse na Williams, como companheiro de Mansell, eu teria tido grandes chances de ser campeão do mundo, por ter o melhor carro. Mas na época eu não suportava a ideia de correr para Frank. Eu sou franco com todos e espero o mesmo comigo. Por esse motivo não me arrependo por optar pela Ferrari em vez da Williams. Apesar de não ter obtido o sucesso que imaginava, vivi alguns dos melhores anos de minha vida, o que provavelmente não seria o caso na Williams.”

Jean Alesi não guarda mágoas daquela experiência. Mas como é também o tutor da carreira do filho, já membro da Academia da Ferrari, diz que usará o conhecimento adquirido para orientar os rumos profissionais de Giuliano. Nesta temporada ele compete na F2, também pel Trident. Depois de dez etapas, 20 corridas, somou 10 pontos e ocupa a 18ª colocação. Resta ainda a última prova do calendário da F2, em Abu Dhabi, de 29 de novembro a 1º de dezembro.

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